Quando o símbolo muda

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É feriado, você está na casa da sua avó, reencontra os primos, aquela bagunça boa.
Cresceram juntos — e nesses dias de encontro, a macarronada era sagrada.
A vó fazia a massa, cozinhava com amor. Só o cheiro já trazia lembranças.
Até que ela chama: “Vamos comer!”
Todos sentam animados. Ela abre a panela…
E lá está um macarrão de abobrinha.
Verde e saudável.
Sua tia tenta justificar: “É que a vovó tá cuidando dos triglicerídeos”
Todo mundo sorri amarelo.
Come em silêncio. Algo se quebrou ali.
Porque nem sempre mudar é só uma escolha prática.
Às vezes, é um gol contra na memória afetiva.
Foi mais ou menos isso que aconteceu com a nova camisa da seleção.
O amarelo saiu de cena. Entrou o vermelho.
Entrou o debate.Não é sobre estética. É sobre símbolo. Símbolos carregam história.
Tiram a gente do presente e nos colocam num lugar onde pertencemos.
Quando uma marca muda um símbolo — uma cor, um som, um gesto — ela precisa saber o que está tocando. Porque pode, sem querer, apagar o que que fazia tudo ter sentido. Marcas também têm suas “macarronadas de domingo”.
Símbolos que não foram escolhidos por estratégia, mas consagrados pela repetição e pelo afeto.
E quando uma marca resolve mudar algo central — como a cor da camisa da seleção brasileira — precisa entender que não está mudando só uma estética. Está mexendo num imaginário coletivo.
O amarelo da camisa da seleção não é só tinta no pano.
É grito de gol. É lágrima de derrota. É infância, é Brasil.
Trocar isso por vermelho — é como servir abobrinha no lugar da massa feita à mão.
Não tem o mesmo gosto. Não tem o mesmo poder de reunir.
Marcas que ignoram o valor simbólico do que construíram quebram o elo da identidade afetiva.
Inovar é importante.
Mas inovar sem escuta, sem leitura de tempo, sem respeito ao que foi criado —
é correr o risco de acabar só irreconhecível.
É sobre saber o que está em jogo quando se muda.
Porque o que faz alguém voltar é o que faz sentido, porque fez história.