Delírios de grandeza

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Por princípio cristão, não se deseja ou se comemora a morte de alguém, apenas lamenta-se. Em 24 janeiro, Olavo de Carvalho, 74, guru do bolsonarismo, faleceu. Sua filha, Heloisa de Carvalho, afirmou que o pai morreu em decorrência de insuficiência respiratória aguda ocasionada pelo Covid-19. Foi enterrado dia 26 no Estado da Virgínia, EUA, com a presença de 30 pessoas. Olavo foi um dos principais porta-vozes nas redes sociais que contestavam dados sobre mortes e infectados pelo coronavírus. Dizia que o Covid-19 não passava de uma ‘historinha de terror’ para acovardar a população e fazê-la aceitar a escravidão.

Olavo de Carvalho era figura controversa; denominava-se filósofo, mas não possuía nenhum título acadêmico formal. Em outras ocasiões, apresentava-se como astrólogo e ministrava cursos de astrologia. Foi militante do Partido Comunista Brasileiro no período de 1966 a 1968, e opositor da ditadura militar brasileira. Nos anos de 1980, liderou no Brasil a seita inglesa Tradição e, posteriormente, criou seita própria, baseada em preceitos do esoterismo islâmico o Tariqa, porém, cancelou tudo porque suas ideias não agregaram seguidores suficientes.

Olavo de Carvalho foi o instigador ideológico das ideias bolsonaristas, que não vai além da luta incessante de homens brancos ressentidos com a liberdade e poder das mulheres. No seu livro O Imbecil Coletivo, deixa claro seu desprezo por negros, opções sexuais e imaginários inimigos da pátria. É impressionante como seus seguidores se apaixonaram por essas ideias e defendem com devoção mortal e furiosa contra toda a lógica e a história civilizatória.

Olavo de Carvalho jamais escondeu sua frustração com o desempenho de Bolsonaro no poder, reclamando da timidez contra uma guerra que chamava de comunismo. Era contra transformações sociais e enxergava conspiração mundial liderada pela esquerda e considerava o Brasil refém de elites políticas. O governo idealizado por Olavo tentou implantar um projeto baseado em destruição de opositores, preconceito e erosão de políticas públicas; buscou agitação; e tentou usar as Forças Armadas contra a democracia, enfim, quis o antissistema.

Era frequentemente citado pela imprensa como guru intelectual de Jair Bolsonaro e dos filhos do presidente. Olavo sugeriu nomes para ocupar cargos no primeiro escalão e estes foram acatados por Bolsonaro: o Ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e o Ministro da Educação Ricardo Vélez Rodríguez, este último substituído por Abraham Weintraub, também aluno de Olavo de Carvalho. Todas essas indicações foram desastrosas, com criaturas incultas e paranoicas.

Olavo de Carvalho sobreviveu com frases polêmicas, conteúdos curtos, mensagens fáceis. Não acreditava no aquecimento global e representava o discurso de ódio no Brasil. Era obscurantista, retrógrado, com discurso puramente ideológico sem sustentação argumentativa. Criticou Isaac Newton, Giordano Bruno, Galileu Galilei, entre outros. Afirmou que células de fetos eram utilizadas na fabricação do refrigerante Pepsi. Olavo passou a vida espalhando fake news e tornou-se o maior influenciador da extrema direita no Brasil

Olavo de Carvalho declarou que estudara até a quarta série do ginásio, e acredita-se que guardava um grande rancor dos anos que passou sendo achincalhado pelo establishment universitário brasileiro pela falta de formação acadêmica em filosofia, que o impediria de lecionar a matéria em âmbito acadêmico. O Palácio do Planalto emitiu nota oficial de pesar sobre sua morte: Olavo de Carvalho deixou como legado “um verdadeiro apostolado a respeito da vida intelectual” e teria inspirado e influenciado “dezenas de milhares de alunos e leitores – inclusive, levando muitos à conversão à fé”. Uma aberração! Todavia, passará à história como nota de rodapé de um período tenebroso da civilização brasileira.